O VIAJANTE DO TEMPO!

Colunistas Geral

Roberto trabalhava como um louco em seu escritório, tudo milimetricamente organizado. Os funcionários já sabiam se algo estivesse fora do lugar, era só ele olhar meio sério e não falar nada. O que se tinha nos cafés e intervalos para almoço eram alguns desabafos sobre o chefe extremamente estressado e exigente de que a empresa dispunha.
Mas os números eram favoráveis a ele, administrando por cinco anos, férias, tinha tirado dois finais de semana antes da pandemia. E dizia que isso de viajar a não ser a trabalho era algo supérfluo, que condições dispunham, mas seu tempo era precioso demais para ficar no ócio.
Fernanda, sua secretária, já tinha um sorriso cativo ao recebê-lo, independente do humor vindo do referido chefe e suas ordens constantes. Já estava ultrapassando o bom senso, levando o pessoal a fazer um jogo de dardos com a foto do chefe, nos dias mais pesados. Claro, sem ele participar da brincadeira, quem acertasse no alvo ganhava uma rodada no final do dia para o pessoal que quisesse sair.
Esta postura do chefe fechada refletia no ambiente que sempre foi diferente de alto astral e conversas entre os funcionários.
Fernanda, atenta aos papos circulantes, visivelmente quase pedindo as contas e pulando do prédio para sumir da vida daquele chefe que ficou extremamente chato e exigente nos últimos anos, mas compadecida de algo que escutara de uma amiga, Astrid.
Foram num happy hour, já conhecia de anos, sempre atarefada, cheia de coisas para fazer, perfeccionista de doer, lembrava que levara um memorando e pediu o computador emprestado do assinante do contrato e modificou, corrigiu novamente e deu novos apontamentos. Tinha também tempo curto, nem em reuniões cativas dos outros amigos ela ia, exercícios, viagens, nem pensar nisso em sua vida.
Mas algo estava diferente em Astrid, semblante sereno, fala mansa, sem olhar celular, nem o relógio, tipo, não tinha hora para voltar para casa. A amiga, surpresa com a mudança, perguntou o que tinha acontecido e ela prontamente respondeu:
— Mudei minha vida! Estava com crises de ansiedade, tendo consultas regulares com o cardiologista, num dia fiz um teste de esteira e nem aguentei o final. E, por fim, o médico disse uma frase que nunca vou esquecer: “Eu posso te receitar remédios e vou fazer isso para o teu quadro clínico. Mas, se tu não mudares drasticamente de vida, vai acontece infelizmente algo mais grave contigo.”
E isso que relatou Astrid mexeu com o interno dela, na primeira semana, ainda viciada em tudo que era seu mundo, pouquíssimas mudanças, em um mês, uma radical virada e explicou em detalhes para Fernanda o que fez desde um ano atrás.
— Bah, amiga! Queria tudo isso que tu estás vivendo, meu chefe, fizesse! Estou quase pedindo demissão pelo jeito que ele trabalha, dirigindo a empresa e tratando a gente.
— Mas, amiga, fala, nem que seja de forma sutil. Ele vai se tocar!
Fernanda ficou com aquilo e pensou: tenho de incluir o jeito de vida da Astrid na minha vida também, como ela está mais feliz e leve. E, se der, tento mudar um pouco o jeito do meu chefe ou achar outro lugar para trabalhar é a solução. Mais uma segunda, chefe estressado, quase no final do expediente, pede um memorando dos cálculos que já havia fornecido. Fernanda, exausta, não aguentou e disse:
— Este aqui, o documento, é o último que lhe forneço. Não aguento mais, peço demissão! Impossível trabalhar assim! Depois vou ao RH e vejo os procedimentos. Virou as costas e saiu.
O chefe não fazia muita coisa sem o auxílio de Fernanda, no outro dia a substituta era um desastre e parecia que a empresa literalmente iria para os ares. Nisso, saiu, passou no RH, buscou algo lá e deixou o prédio sem falar uma palavra. Tempo depois, aperta uma campainha, reticente, olha e nem acredita quem estava na porta de sua casa: Dr. Roberto em pessoa. Abre a porta, pergunta se queria entrar, meio sem jeito, ele vai se sentar na sala, elogia as plantas e a decoração e Fernanda, sem muitas voltas, já adianta: – Não vou voltar para o trabalho ou, se é algum documento, me manda que eu digo onde arquivei.
— Não vim pessoalmente te pedir desculpas. Sei que estou agindo fora do normal.
Muito trabalho e preciso realmente que tu voltes, estou perdido, a substituta não acha nada.
— Não tenho pretensão de voltar. Como estou ficando trabalhando com o
Senhor, vou é adoecer desculpe a sinceridade!
— Mas, eu te dou um aumento, me diz às condições que ajusto. Te peço desculpas!
— Bom, teria um jeito de eu voltar a trabalhar com o Senhor.
— Me diz qual seria, faço concessões?
Ela responde: — Vou falar e gostaria de não ser interrompida: está tudo errado na empresa, ninguém aguenta o Senhor nem quando entra. E, mais sincera ainda, dá um alívio quando sai. Por isso, precisa urgentemente tirar umas férias, seja uns 10 dias, tem o Ricardo que assume bem seu posto enquanto isso. Quero para mim e meus colegas um horário maior de almoço e um local mais amplo para o café. Não quero mais mensagens no final de semana, nem no horário de meio-dia, a não ser de extrema urgência. Uma reunião por mês para fazermos um happy hour pago pela empresa. Seria bom o Senhor se envolver com seus comandados, saber da família, desafios, problemas, trocar experiências num ambiente longe do trabalho. Ah, outro ponto, se voltar, o Senhor tem que se inscrever numa academia, no mínimo três vezes por semana. E, ir ao cardiologista, se precisar mais a fundo, um Psiquiatra. Gostaria de mudar a decoração do ambiente da empresa, está bonito, mas distante e impessoal, coisas simples e, como o Senhor observou, plantas fazem bem em qualquer lugar, queria colocar algumas lá. Acho que seria isso e aí tentamos uma volta ao trabalho! É pegar ou largar?
O chefe, surpreso com tamanha sinceridade e as observações de Fernanda, mesmo querendo intervir em alguns pontos, não teve opção, disse: — Está bem, amanhã te espero no horário de sempre.
No outro dia, Fernanda, mais cheia de atividades e autonomia, chegou cedo, montou um quadro de atividades novas, repassou aos demais colegas antes do chefe chegar, ligou para uma loja de folhagens, pediu algumas sugestões, fez algumas encomendas. E nisto chega o chefe, ainda não ciente das mudanças, achando que tudo correria da mesma forma. Ele iria fazer Fernanda se adaptar ao ritmo antigo, chama educadamente na sua sala, já iria passar as ordens do dia, o que mais precisava, e ela o interrompe:
— Se me permite, Dr. Roberto, já fiz sua reserva!
E ele: — Do quê?
— Sua viagem vai ser daqui a cinco dias, observei em uma reunião que tivemos que o Senhor mencionara que tinha um sonho de conhecer o Nordeste, fazer um tour nas principais cidades e praias. Busquei uma agência de confiança e montei um pacote de 10 dias, se quiser podemos estender. Não se preocupe que Ricardo assume seu lugar.
Passados os dias de férias, retorno do chefe ao trabalho, Ricardo deu conta das pendências existentes. Fernanda utilizou sua carta-branca ao que pedira para modificar no ambiente de trabalho. No hall, as plantas mudaram também dentro da empresa, ainda na sala de café. E o Dr. Roberto parecia outra pessoa nas reuniões seguintes. No primeiro mês, ainda teve de lembrar, mas nos seguintes nem ela sabia o dia, era avisada pelo Chefe:
— Reunião da turma do trabalho quero a presença de todos. Hoje o Maurício vai dar uma canja e quem sabe eu também me arrisco no Karaokê da firma!
Seis meses depois, saí com Astrid, agora é a amiga que a surpreende com seus comentários: — Menina, tu estás mais leve, semblante sereno, uma luz que não sei dizer o que é?
— Te agradeço Astrid, mudei tudo onde eu trabalho e isso na minha forma de viver também, estou melhor mesmo, me sinto mais leve!
Naquele hall de entrada do trabalho, tem um quadro que seu chefe trouxe da viagem que fez, com ondas do mar e frases de uma música de Lulu Santos:
” Nada do que foi será.”
De novo, do jeito que já foi um dia.
Tudo passa, tudo sempre passará…”
Interessante que o Seu Chefe cantou essa música na primeira vez que se arriscou no Karaokê da firma. E a vida não é: como uma onda no mar?

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