Samuel estava com 70 anos. O tempo passou rápido. Filhos crescidos: Manuela e Sérgio, frutos de sua união com o grande amor de sua vida: Gabriela.
Os dois haviam se conhecido no aniversário de seu tio Roberto. E, desde ali, começou um namoro, que, após, virou um casamento e, por fim, formaram sua família. O casal tinha um costume de que, aos finais de tarde, geralmente paravam tudo e ele fazia um mate. Era o momento de colocar a vida em dia. Embora, por vezes, Gabriela não precisasse dizer uma palavra e Samuel sabia que o dia dela não foi bom. E o mesmo acontecia com Samuel, só que, diferente da sua mulher, ele falava o que lhe aborrecia e ela escutava e dava seus conselhos.
Foram mais de cinquenta anos casados, sendo que, infelizmente, Gabriela de repente os deixou e aquilo foi um baque tremendo para Samuel. Os filhos já haviam tomado rumo na vida. E ficar sem a sua companheira de vida era algo que não contava. Ademais, agora que teriam mais tempo para desfrutar e viver tudo que se esmeraram uma vida construindo juntos. Nada poderia preencher a presença, o amor e o carinho que Gabriela tinha naquela família. Então ficou um vazio grande em Samuel.
Um dia, quando tomou mais coragem, resolveu arrumar as coisas deixadas por Gabriela. E, no meio do roupeiro, se deparou com um caderno. Ele nunca tinha visto sua mulher escrever uma linha. Nem achava que teria tempo. E, como se fosse um consolo dos céus, começou a ler o que seu grande amor pensava e anotava naquele caderno. Ali tinha o casamento dos filhos, o tempo que ele perdeu emprego, quando os pais de ambos partiram, a preocupação de sua mulher com a família. Mas um texto em especial tomou Samuel de emoção. Parecia que ela pressentia que iria partir antes dele e deixou algo assim:
“Hoje amanheci feliz por tudo que Deus nos ajudou, mas sinto que não tenho muito tempo. E, se eu for antes, o Samuel ficará mais solitário. E vou deixar algo aqui em secreto que, se ele ler, é para saber o quanto eu amei esse homem:
Samuel, quando te conheci, ainda era praticamente uma menina. Tu sabes que não foi amor à primeira vista, meu velho. Tu me conquistou aos poucos.
E nem sabia que poderíamos formar a linda família que temos. Mas, sabe, amor, se eu for antes de ti, para sempre estarei contigo. E, quando a saudade apertar, faz um mate. Coloca nossa música e sorri! Que estarei sentada ao teu lado! E toca a vida, amor! Quero te ver feliz, assim como fomos juntos!
Beijos. Tua Gabriela!”
Naquele dia, Samuel fez o mate e sentou-se na varanda. Enquanto voltava na sua mente a memória de sua Gabriela, ao fundo se ouvia a música dos dois: “Eu vou cevar um mate gordo de esperança…”, e as lágrimas escorriam no rosto dele.
Como uma miragem, lembrou do que ela escreveu: “Estou sentada ao teu lado.”
E um vento impetuoso veio pela janela da varanda. No fundo, ele sabia: era a presença de sua Gabriela. E isso trouxe novamente um sorriso no seu rosto. E assim ele seguiu o conselho dela até findar seus dias. Foi viver, mesmo com aquele vazio imenso da presença dela.


