O andarilho

Colunistas Geral

Havia muito mistério em torno da vida daquele homem. A cidade pacata de Santa Tereza, a praça central era o lugar preferido do Andarilho e seu fiel companheiro o Rapadura. Um cão que o acompanhava, os dois figuras cativas locais.
A rotina diária era quase a mesma: seis da manhã ia à padaria de Seu Roberto, um pão e café quente eram servidos. Meio-dia um marmitex da Dona Dalva e já doavam um para a noite. Garantindo assim, suas três refeições.
Sua história de vida era muito discutida entre os moradores. Uns diziam que ele havia aparecido há mais de cinco anos e que ele era muito rico. Outros que ele passara por uma situação traumática que havia perdido esposa e filho num acidente e saíra vagando. Outros que era um homem muito culto, que trabalhara num multinacional e viajara pelo mundo e foi parar nas ruas.
Mas, só falando com João, assim ele dizia ser seu nome, para ver que ele era culto, cheio de histórias. Só se recusava terminantemente ir para um abrigo ou qualquer maior conforto que uma alma generosa lhe alcançasse.
Invocado com aquela situação, Manoel, dono de um posto de gasolina, resolve investigar melhor. Deveria ter algum dado que ligasse ao seu passado. Embora o Andarilho falasse sempre:

– O passado está morto! Vivo meu presente, nesta liberdade toda!
E ele parecia realmente feliz, carregando somente uma sacola, com uma caneca pendurada, uma garrafa d’água, duas mudas de roupas e Rapadura, seu amigo peludo que o seguia sempre.
Manoel não se deu por vencido, João escorregou um dado que fez ele fazer algumas ligações no outro dia. Disse: “Minha Aurora e meu Pedrinho, nunca vou esquecer: BR- 497, aquela curva maldita! Porque tanta chuva! Porque não parei antes para comprar a rapadura do guri, no Posto do Osvaldo!
Isso foi estopim: Manoel conhecia Osvaldo, dono de uma rede de Postos. Ligou até achar o amigo e relatou o fato.
E aí veio tudo à tona: João foi realmente um grande homem de negócios, viajava pelo mundo. Era casado com Aurora e tiveram o filho Pedro. Os perdeu num grave acidente, próximo ao Posto do Osvaldo. E ninguém sabia seu paradeiro, sumiu no mundo poucos dias após o fato.
Na praça, dias após, chega Joana e Joaquim, irmãos de João, se emocionam ao ver ele naquele estado:

– Mano, viemos te buscar para casa!
João enche olhos d’água, parecia que saíra do seu mundo e voltara ao passado. Eles se abraçam e eles os levaram dali.
Três anos adiante, chega ao Posto do Manoel o antigo Andarilho: João dirigindo seu carro e ao lado o Rapadura. Cumprimenta o amigo, agradece por tudo que ele fez para enfrentar sua dor. Sai dali, passa na padaria do Roberto, ele toma um café quente e pão e pede uma salsicha para o Rapadura. Vai às quentinhas, compra duas para viagem e vê a Dona Dalva e, volta a sua terra natal.
Centro de convenções de uma grande cidade, o Andarilho faz palestra de como dirigir um negócio, no final sempre destaca sua experiência de vida dizendo:
“Andei tempos, perdido! Nestas andanças conheci muita gente. Vivi muitas coisas boas e ruins. E, por fim, resgatei a minha história. Então, seja no colchão macio que hoje durmo ou no papelão das ruas, o meu passado veio me buscar no presente e hoje tenho esperança de um futuro!”
João é um empreendedor, com mais de 100 funcionários, que o elogiam por sua simplicidade e humanidade e sempre destaca: “Isso adquiri dos tempos de Andarilho, no pouco descobri o que mais se precisa para ser feliz de verdade, além dos bons amigos.”

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