Milhares de pessoas eram atraídas para ver aquele homem falar. Sua eloquência, seu espírito forte, além de uma presença marcante, atraía multidões. Oscar sabia disso! E usava e abusava de sua retórica para encantar quem o assistia. Muitos saíam de suas palestras maravilhados. Alguns mais céticos, indignados, como pagaram R$ 500,00 para duas horas de baboseiras ditas!
Oscar tinha uma introdução comovente de quanto lutou para mudar o cenário de sua vida pessoal e profissional que era segundo palavras dele: patético! Casado com Vivian, pai de três filhos. Dizia-se um homem realizado, fiel por opção e bem-sucedido!
Belo dia, mais uma palestra, numa cidade longínqua de onde Oscar morava. Ele vai dirigindo seu SUV top, deslizando sobre a pista. Sem tempo a perder um toque, fala com Fernanda, sua secretária particular, avisa que, seguido, chego aí, há tempo para que as pessoas tirem fotos e eu possa autografar meu livro que virou best-seller nacional. O título: “Do fundo do poço ao topo da montanha!” 10 passos para que vire o jogo do fracasso ao sucesso!”
Numa reta, escutando um clássico antigo e romântico: “Give me your hear Toninght, de Shaling Stevens”. O carro balança, ele logo se toca: Agora ferrou minha vida! Pneu furado, neste fim de mundo!
Consegue encostar, tenta ligar para Fernanda, nada do celular pegar. E o pior de tudo, ele nunca tinha trocado um pneu na vida! Então, era só se alguém passasse.
Oscar, tentando achar respostas para si, àquelas que ele dizia com o peito cheio em suas palestras. Como vencia as dificuldades, qual era a receita certa para o sucesso e um pneu furado, estava tirando dele todas as convicções que tinha.
Já esmorecido, cochilou no carro, começou a sonhar que estava dando a palestra. Mas acorda no susto com umas batidas no vidro do carro. Abre os olhos, é um senhor de uns 70 e poucos anos. Barba por fazer, roupa toda suja, olhar profundo, disse poucas palavras: – Se encrencou com o pneu do carro?
O Seu Antônio alegou que uma caminhonete daquele estilo nunca tinha feito serviço, que iria chamar o Ademar, seu filho, para trocar o pneu e explicou: “Só tem um problema, de manhã ele chega da caçada, se quiser pode pernoitar na minha casa. É o que posso fazer por você.”
Entra numa pick-up Pampa Ford, lá de 1983, na cor vermelha, tapada de barro. Na carroceria: cordas, umas enxadas e ferramentas. Oscar entrou apertado, acostumado ao seu carro cheio de regalias. Nisso, Antônio, rádio local ligado, notícias da noite, previsão do tempo, no meio algumas músicas regionais. O percurso era meio longe até a casa, recebidos por Buda, um cachorro mestiço, que cuidava da propriedade quando o dono saía. Ninguém conseguia passar a porteira. A casa, um chalé de madeira, totaliza cinco peças: sala, cozinha, banheiro e dois quartos.
Oscar, acostumado no seu tríplex, aqueles 50 m2 eram um cubículo. Esquentando a janta: um arroz requentado, ovo frito, um pedaço de carne e que Antônio fez um mexido e um refrigerante que tinha na geladeira. Justificou: “É isso que temos para hoje.” Oscar: – Está tudo certo! Agradeço a acolhida.
Bom, parecia que a noite se findaria ali, queria só dormir. Mas aí, uma conversa mudou o rumo da história.
Antônio fala da perda da mulher, de como criou seu filho, de como foram cruéis os tempos da doença dela. E, até aí, Oscar nem estava prestando muita atenção, mas aí disse que era antes corretor de imóveis de uma grande imobiliária, o melhor no seu ramo. Morava num apartamento de luxo, com três carros na garagem, e o filho era um projeto dele e da esposa.
Aquelas marcas, agora, eram vistas por Oscar olhando a sala de Antônio: fotos da esposa, do filho pequeno, eles felizes. Depois, pai e filho, na escola, num passeio de barco, depois passeando com o cachorro. E uma frase de Antônio: – Meu filho, nunca viva uma vida de ilusão, preferi largar tudo que me prendia e viver no que achava real depois da partida de Mercedes. A vida cobra da gente se quer somente fingir que somos felizes. Se a dor é a única coisa que temos a oferecer.
Oscar ficou mexido com aquilo, pagou o serviço de bom grado, deixou seus cartões e contatos. Chegou falando com Fernanda, ela cobrando como recuperariam a palestra. Ele estava diferente, via sua vida movida pela ilusão, sem verdade. Chegou um dia em casa, olhou a mulher, os três filhos e decretou: Chega disso, isso não é vida. Vendo ilusão!
Passados dois anos: Oscar tem uma loja de ração para cachorros, bem equipada, sortida, com apenas dois funcionários. Saíram do tríplex, os filhos foram para escola pública, a esposa quase se separou dele, eram muitas mudanças. Mas, algo além dos filhos, prendera-a ao seu lado, dizia: -Nunca vi tanta verdade na tua vida nesta fase!. Mas, concordo algo te tocou quando furou o pneu naquela cidade.
Um dia, está Oscar atendendo os clientes, estaciona uma Pampa vermelha, desce um homem barbudo, ao lado um cão conhecido, lembrou que é o Seu Antônio e Buda. Ele logo sorri para o Seu Antônio, meio de cara fechada, não reconhece de primeiro. Ficaram horas conversando, o tempo voou, por fim, Seu Antônio, sempre sábio, deixou mais uma lição a Oscar: “Nunca tente querer viver além do que tu necessitas.” Se contente com o pouco e fique feliz por isso. A vida tem que ser apreciada nos dias simples, quando tem festa a gente aproveita. Abraços e, quando quiser, vai lá nos visitar. Eu e o Buda te esperamos!
O faturamento do Oscar hoje não gira em cifras. Seu carro é um do ano, marca popular, escuta a mesma música voltando do trabalho: “Give me your hear Toninght, de Shaling Stevens”. Acrescentou algo que aprendeu com Seu Antônio: de manhã cedinho é o rádio que comanda, com as notícias locais e do tempo. Moram num local condizente com seu padrão de vida. Tem mais tempo, fica com os filhos, fala mais com a esposa, sem celular. Dorme no travesseiro com a cabeça tranquila. Vive com os pés fincados na realidade!
É quanta ilusão semeei na vida.
Quanta realidade agora estou colhendo!
E quem disse que estes tempos
não são os melhores da minha vida?
Assinado
O Ilusionista