Heloísa, uma menina de oito anos, lembra bem como ela veio parar em suas mãos: sapatos vermelhos de veludo, atados com uma delicada fita de cetim da mesma cor. No corpo, um vestido estampado florido, parecendo margaridas, olhos arregalados verdes, uma boca cor de rosa, bochechas coradas e os cabelos, duas tranças na cor castanho, assim era seu mimo: Filomena. Uma boneca de pano que foi da sua mãe, Helena, no seu aniversário de seis anos.
Filomena andava arrastada pelas tranças dentro de casa pela Heloísa. Quando sua mãe a via fazendo isso, pegava correndo a boneca e a colocava em cima da cama da guria com uma enorme bronca:
– Eu já te disse Heloísa, se tu ficares arrastando a Filomena, vou dar ela para tua prima: a Raquel. Tu sabes que ela é louca por ela. E, com certeza, vai ser mais bem cuidada!
Heloísa ria e nem dava bola. Ela e Filomena eram amigas há mais de dois anos, quando sua mãe lhe confiou sua boneca de pano. E vários papos saíam naquele quarto entre Filomena e Heloísa, o que incluía chás e cafés, almoços e jantares. Claro, a boneca só participava na imaginação da menina. Mas dava gosto de ver as duas juntas. Se deixasse, Heloísa levava Filomena para tudo quanto lugar que ia.
E nisto programaram uma viagem, naquele final de semana. Como de costume, as roupas, os itens de que precisavam para sair e Heloísa dizia: “Tem que levar a Filomena!”
Era numa pousada, iria ficar de sexta a segunda pela manhã, pois a mãe tinha que trabalhar na escola à tarde. O pai, Pedro, somente conseguiu este espaço na sua agenda, já que era contador e estava lotado de serviço.
O final de semana foi agitado, nunca Heloísa levou a Filomena para tantas brincadeiras, depois caíam exaustas na cama. Porque até a boneca não estava aguentando o pique daquela guriazinha.
Retornaram da viagem segunda, já em casa, e à noite, Heloísa reclama:
– Mãe, viu a Filomena?
– Olha filha, pelo que lembro, tu a colocou na tua mala. Vai lá e confere?
E o desespero começou nada da Filomena em mala alguma. Helena, tentando conformar a filha, disse: “Deve estar no carro com teu pai, disserto a Filomena quis ir um pouco ao escritório!” “Assim que ele chegar daremos uma busca. Te acalma, ela vai aparecer!”
Chega Pedro, atarefado, e olham no carro e nada da boneca. A guria já começa a chorar. A mãe tenta apaziguar a situação e diz: “Vou ligar para a pousada.” O gerente diz que não acharam nada no quarto. E a angústia cada vez mais aumentava.
Diz a guria: “Vai dormir, filha, de manhã, pensamos melhor para ver se a Filomena ficou em algum lugar entre a pousada e o retorno de casa.” No café da manhã, Heloísa estava com os olhos inchados de tanto chorar. O pai, louco para ir ao serviço descascar os pepinos que esperava, e a mãe, sem cabeça para fazer nada diante do sumiço da boneca.
Deixa a guria na escola, toda emburrada, e aquele sentimento de vazio. Fazendo o jantar, lembra: “Chegamos ao posto, fomos à loja tomamos café e fizemos um lanche, e a Filomena foi junto.” E acha o número do posto na internet e conta toda a história para a moça da lancheria. Casualmente, ela responde: “Pois estamos com uma boneca aqui de pano.” “Iria dar a minha guria, se ninguém voltasse para pegar.” E ela responde: “Graças a Deus, que ela está aí, vou buscá-la!”
Duas horas de viagem e recupera finalmente a boneca.
“Na próxima viagem, filha, já sabe: Filomena fica em casa, também amo muito nossa boneca!” Exausta, adormece com a filha abraçada com a boneca. Pedro vai ao quarto e sente alívio com a cena, coloca o cobertor nas três e pensa: “Esse trio precisa descansar mesmo.” “Que viagem foi essa em Filomena?”