O cheiro daquele churrasco

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Seu Bento, religiosamente, não falhava um domingo, fazia um churrasco para toda família, que não era pequena. Além dos quatro filhos e da esposa, moravam com eles o que dizia serem os agregados: a sogra, o cunhado mais novo. O que dava um número considerável de gente naquela casa, no mínimo oito pessoas, uma mesa grande tinha na área de serviço que era pegada com a garagem, cheia de cadeiras.
E tradicionalmente era aquele churrasco regado a música tradicional gaúcha na velha vitrola que ainda preservava, com sua coleção de discos de vinil. Os filhos novos ficavam com vergonha, os mais velhos nem dava mais bola para o jeito do pai. Quem acordava cedo domingo, era às seis da manhã, já cevou um mate. A esposa, Dona Iracema, só saía da cama às oito horas, dizia que chegava à semana que ela madrugava, domingo era dia de descanso. E nisso incluía a cozinha, que era assumida pelo marido e pelos filhos. Ali, o serviço era partilhado, mas sabendo que a churrasqueira tinha dono, o que, pelas nove horas, já se preparava para começar o fogo.
Os guris sabiam bem o que o pai fazia: lenhas picadas em lascas, um ou dois sacos de carvão dependendo da carne que iria assar naquele dia, os espetos, a gamela, o sal grosso, uns jornais e aquela banha que a mãe separava quando assavam uma carne no forno para que acendesse mais rápido. Depois, o pai espetava, colocava a primeira camada de sal e esperava o fogo baixar para ir ao fogo.
Enquanto isso, a roda de chimarrão corria solta junto com as músicas em volume nada considerável, além da fumaça que deixava os vizinhos em ponto de bala. Já tinham perdido a paciência de quantas vezes já falaram com seu Bento para maneirar nos assados, aquilo era afronta quase um desrespeito, e nem para convidar para se juntar a eles na mesa!
E olha que Seu Bento só sorria e dizia: um dia destes eu convido e aí vocês tragam mais pratos e cadeiras, o resto deixa comigo que aumentamos o feijão, a salada e colocamos mais arroz e está feito o almoço de domingo.
Seu Bento era o vizinho mais querido daquela quadra, pessoa serviçal, humilde por natureza, já aposentado, sabia que agora era aproveitar a vida, depois de tanto tempo só na lida pesada, quando trabalhava de peão para fora. E, como os guris estavam somente agora se encaminhando para sair de casa, o mais velho estava de casamento marcado com Suzana, o segundo chegou do quartel e disse que iria retornar e seguir carreira militar, os dois menores queriam fazer faculdade. A casa iria ficar mais solitária que de costume e isso ele já tinha falado à esposa, não gosto de assar carne para pouca gente, vamos ter que arranjar isso quando eles se forem daqui!
E o tempo passou cada um começou a traçar seu destino, o pai sempre assando carne aos domingos no seu churrasco tradicional, mas algo mudara a alegria de ter os filhos em volta não era a mesma e isso Iracema percebeu, já as músicas estavam mais baixas. E a atmosfera de tristeza parecia que estava tomando conta de Seu Bento, mesmo tudo em ordem com seus guris, apenas não tinha eles como de costume ali nas churrascadas que fazia sempre para sua família.
Num destes domingos, Iracema, muito sábia, fala com os vizinhos mais próximos e organiza uma surpresa para Bento, marca para irem ao churrasco próximo e assim a casa se encher de gente como era costume de antes. Aquilo alegrou Bento, mas ainda faltava algo: seus filhos ao seu redor. Para ser um domingo daqueles, quase meio-dia, quando ele menos esperava e até a mãe nem sonhava, encostou o mais velho e a esposa, o que foi para o quartel, e os dois menores que estavam na faculdade. O sorriso de Bento nem parecia o mesmo, aquele churrasco foi para a história, sem lugar para sentar, a mãe aumentando o arroz, as vizinhas buscando sobremesas, uns trazendo mesas e alegria de volta naquela casa.
Bom, passado o tempo, Seu Bento se acostumou que os filhos tinham suas vidas, mas incorporou algo que ficou registrado na vida dele e de seus vizinhos: uma vez por ano, o churrasco era com ele e todos, inclusive os filhos, estavam convocados. E isso foi um hábito que seguiu, assim que partiu com seus oitenta e dois anos, os filhos e seus netos se reúnem naquela casa e chamam os vizinhos, quem disse que a churrasqueira do pai se aposentou, nem sua vitrola. E, a convocação disso está semeada nos netos, os que conheceram Seu Bento e sua alegria de viver e, os que estão por vir. O cheiro daquele churrasco não parou naquela casa!

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