Aquela receita existia há gerações naquela família. Vó Tereza já tinha ensinado as filhas, Maria Clara e Maria Eduarda, para que esse legado se propagasse com suas netas. Nada de tão diferente que um delicioso bolinho de chuva tenha que ter, mas o toque primordial era o carinho com que eram feitos.
Não se tinha somente a questão de um simples café, com bolinhos quentes polvilhados com açúcar cristal e canela em pó. Era tudo que envolvia momentos antes. No fundo, era uma forma da Vó Tereza acompanhar a vida das filhas, dar conselhos e terem momentos sem outras pessoas intervindo nos passos da família.
Esses cafés mais íntimos ocorriam basicamente uma vez por mês. Vó Tereza já pedia que as filhas levassem as netas para ir ensinando passo a passo como fazer os bolinhos. Cada filha já era mãe de uma menina: Laura, filha de Maria Clara, e Roberta, filha de Maria Eduarda. As gurias eram pequenas e não se interessavam tanto pela cozinha, mas quando se tratava de ajudar a Vó Tereza, o assunto mudava. Maria Clara e Maria Eduarda ficavam até com ciúmes da mãe, porque não conseguiam que suas meninas ajudassem nem a colocar a mesa, seja para almoço ou café.
Na casa da Vó, tudo era diferente, elas obedeciam, sentavam em torno da mesa e ajudavam a buscar cada coisa pedida num estalar de dedos. Só ainda não colocavam os bolinhos para fritar, a Vó sempre dizia que quando elas atingissem a altura de ficar acima das panelas no fogão, aí se arriscariam nessa missão. Por enquanto, era pegar um banquinho, ficar meio de longe e observar como a Vó fritava e tirava os bolinhos. Por hora, elas podiam misturar o açúcar e a canela, nas medidas dadas, e enrolar os bolinhos, com direito a levar para casa os que sobrassem do café da tarde.
As meninas cresceram, já eram moças, orgulho da Vó Tereza que já estava com mais idade. Os cafés ficaram mais esporádicos, estavam envolvidas com os trabalhos da faculdade. Pouco iam para a casa da avó, se comunicavam mais por mensagens. Nem as filhas Maria Clara e Maria Eduarda podiam ver e dar tanta atenção à mãe. Tinham suas ocupações de trabalho e mais os maridos, casa, se viam poucas vezes na semana.
Aquela tradição familiar já não era costumeira e fazia muito tempo que ninguém tinha mais tempo de tomar café com bolinhos na casa da Vó Tereza. Mais um aniversário, Vó completaria seus oitenta anos, já tinha avisado, não queria festa, somente a família iria fazer um bolo, salgados e chá e receber algumas amigas.
Laura e Roberta, correndo pelos estudos, ainda o trabalho que tinha cada uma delas, iriam dar uma passadinha na Vó, levar uma lembrança e dar um abraço. Enfrentaram um trânsito louco, tudo fechado, que havia caído uma manga de chuva, mas quando chegaram acham a avó muito triste e isso em pleno aniversário. Nem parecia aquela figura alegre de seus cafés com bolinhos de chuva especiais que se dedicava às filhas e às netas.
Não falam nada, deixam a avó na sala com suas visitas, colocaram seus aventais e pegaram: a farinha, os ovos, o fermento, o leite, as raspas de limão, o açúcar, a manteiga e uma pitada de sal. Colocaram uma chaleira para esquentar a água, pegaram um coador antigo, aquele que a avó ela passava café, e seu bule, acharam o pote de café em pó. Esquentaram bem o óleo, pegaram uma escumadeira e a vasilha que a avó colocava os bolinhos. E enquanto uma delas fazia a mistura de açúcar e canela a outra fritava os bolinhos.
Um cheirinho de café fresco invadiu a casa quando começaram a fritar os bolinhos. E agora, umas moças criadas viram a Vó Tereza surgir na cozinha com os olhos cheios d’água, acompanhada das filhas Maria Clara e Maria Eduarda. E se depararam com Laura e Roberta fazendo os bolinhos que a Vó vivia servindo para elas em sua casa. Um momento mágico se instalou naquela cozinha, as três gerações envolvidas, fritando simples bolinhos de chuva e tomando seus cafés, relembrando os bons tempos de infância.
No final, quando todos os convidados vão foram embora, ela agradeceu às netas pela surpresa e Laura diz: – Vó, só estamos te obedecendo, agora estamos mais altas que o fogão e as panelas! Sabemos fazer os teus bolinhos. Embora iguais aos teus, nenhuma de nós nunca vai fazer!
E todas elas se abraçam, na comunhão daquela família amor de avó, passado às suas filhas e ensinado às netas, numa simples receita de bolinhos de chuva! Vó Tereza, radiante, termina seus 80 anos, lembrando de como estava deixando mais uma geração que seguiria na tradição da família!


