Juarez tinha aparência tranquila. Quem se aproximava dele obtinha conselhos aparentemente sábios. Dizia que já tinha vivido um bocado de anos, conhecia todo tipo de gente. Então, nas horas de sufoco, era no “cozinhar em banho-maria” a tática que utilizava e externava aos amigos mais afoitos que queriam resolver peleias ferrenhas no braço.
Mas, algo totalmente diferente orbitava no seu interior, não tinha a paz que tanto propagava. Porque no fundo havia uma grande ferida aberta que ficou assim do seu passado.
Juarez era um homem trabalhador, obstinado, nem domingo se dava de folga. E, ao mesmo tempo, sua esposa Dalva não conseguia vislumbrar no marido uma realização. Dentro de sua casa, ajudava pouco nas atividades, mas era diligente tanto nas contas quanto nas compras e mantinha tudo em dia. Os filhos, quase saindo de casa: Jorge e Diana, não podiam reclamar da figura paterna. Era amoroso e ouvinte, assim como incentivador para que os dois sempre buscassem o melhor caminho na vida.
O que então no passado de Juarez o fazia não ter a paz que apenas externava ter? E isso era evidente em cada outubro, se isolava de todos e passava esta temporada na pequena chácara da família e só dizia para a mulher e os filhos que no outro mês estava de volta. Dalva já havia questionado-o de todas as formas e nada era respondido pelo marido, apenas meio justificava que precisava daquele mês para ficar naquele lugar.
Na chácara, feito um fogão de chão, assando um pedaço de carne e tomando um mate solito num final de tarde de outubro, chega sem aviso o vizinho e amigo João. E, no meio das conversas, naquela noite, o amigo João revelou a ele algo que havia acontecido e por que não gostava do mês de outubro. Aquilo foi uma chave que abriu o baú que Juarez não queria contar a mais ninguém, o que passou a ter uma conversa franca, dolorida e extensa com aquele amigo que, ao final, lhe deu um abraço e disse: – Tenha força e coragem! Entendo perfeitamente o que tu me disseste! Mas, creia que vai passar! E, como um bom conselho disse: – Chega em casa e fala para Dalva, tu não podes mais carregar este fardo
sozinho!
E, aí, entrando primeiro de novembro, Juarez retorna à sua casa, os filhos envolvidos com o trabalho e suas faculdades. Quando consegue ficar sozinho com a mulher, lembra do conselho de João, que era hora de ele dividir aquele fardo. E, depois de uma conversa longa, cheia de detalhes, interrompida pela emoção e consolo da mulher. Falou do quanto sentia culpa do que aconteceu e tudo ocorreu antes de eles se conhecerem na outra cidade. E que não havia falado nada a ela, porque aquilo era assunto morto de sua família.
Dalva, emocionada, o abraça e diz:
-Você já era para ter me contado, mas tu não teve culpa. Jamais teria te julgado por ter tido um filho antes! E amor, o que aconteceu contigo foi uma fatalidade. Teu menino jamais poderia ter saído de barco tão pequeno para pescar sozinho, foi coisa de criança! Lembra quando nosso Jorginho caiu daquela árvore e ficou desacordado! Também foram dias muito angustiantes com ele no hospital. E isso aconteceu quando ele estava comigo.
Uma tonelada saiu dos ombros e as nuvens que pairavam no olhar de Juarez se dissiparam, era a luz da verdade sofrida que enfrentou praticamente sozinho. O Rodrigo estaria com vinte e sete anos, era um moço bonito e valente, que Juarez jamais esquecerá. Agora, nos outubros, Dalva vai junto com ele para fora. O tempo não aplacou a saudade, mas a partilha desta dor com sua família, de certa forma, traz de volta a sua paz que havia perdido desde que aconteceu aquela fatalidade.


