Cristina era uma mulher adulta, que já havia passado dos trinta anos. Obstinada pela carreira, só queria chegar ao topo a qualquer custo. Era uma pessoa bem polida. Só que carecia nela algo crucial: humildade. Sua mãe, Carla, insistia que ela mudasse sua atitude como ser humano, mas já praticamente estava desistindo, porque a filha estava cega do seu jeito torto de ser. Cristina estava convicta de que não havia nada de errado consigo.
Um belo dia, rotina do trabalho, Cristina acordou, fez seu café e se preparou para sair de casa. No caminho, pegou um Uber para chegar mais rápido e logo se irritou com o motorista. Chegou no trabalho, nem cumprimentou a secretária da portaria, passou batido e de nariz empinado. Foi parar direto na sua sala. A única pessoa que pode-se dizer que ela um pouco respeitava era seu chefe. E, mesmo assim, nem ele estava conseguindo tolerar os arroubos de Cristina. Que, volta e meia, era ríspida com o pessoal do escritório.
Embora com uma carreira consolidada, estava visivelmente perdida quanto ao quesito de trato humano. Foi quando chegou uma encomenda na sua sala; quem foi entregar pessoalmente foi Oscar. Com fala mansa, compenetrado em seguir à risca seu trabalho, falou o nome dela, pediu um documento de identificação e ela, mais que imediatamente, respondeu assim: —Não vou fornecer meus documentos. Tem identificação minha naquela porta. Só entrega a encomenda. Que tempo pra mim é dinheiro!
Com toda a sabedoria de uma vida, Oscar, de posse da encomenda, disse: —Moça, o que está escrito naquela porta é da sua empresa! Tenho ordens que têm de fornecer documento com foto. E só entrego a encomenda para Cristina Silva Oliveira. Senão vou levar de volta.
E, aí, Cristina mostrou toda sua arrogância:—Pois o Senhor vai me entregar a encomenda e sair daqui, se é que quer ainda trabalhar na sua empresa! Porque ligo para seu chefe e vai parar é na rua!
Seu Oscar respondeu de forma definitiva: — Olha, moça, falta de educação é pouco, a senhora é uma desaforada. Quem não tem tempo a perder sou eu. Se quiser sua encomenda, vá pessoalmente à nossa empresa. E está anotado aqui que negou fornecer os dados de identificação mínimos. Passar bem!
E saiu porta afora, na mesma calma de espírito com que entrou naquela empresa. Bom, aquela tarde foi um Deus nos acuda; ninguém aturava mais a Cristina naquele setor de trabalho. O local de café era o refúgio dos funcionários que não suportavam mais os desmandos daquela mulher.
O que fez o chefe da empresa ir diretamente à sala dela e dizer em bom tom: — Cristina, tu és competente, sim, nossa empresa deve muito a todas as tuas ideias de melhoria. Mas sua situação aqui conosco está insustentável. Sinto muito em te informar, mas está demitida. Passe no RH, vamos fazer todos os cálculos e espero realmente que consiga um trabalho que te adapte melhor.
Aquilo era algo inesperado; abriu o chão e ela, do topo da montanha, se viu caída num vale de amargura. Pegou outro Uber de volta, nem conseguia falar, só chorava. Chegou em casa, sua mãe tentou interpelar e ela não disse nenhuma palavra. No outro dia, acordou altiva, parecia que não tinha aprendido nada, começou a procurar emprego e, com desdém da porta que a alimentou por anos, dizia, enquanto a mãe fazia o café: — Vou conseguir um emprego melhor, estava atada naquela empresa falida e obsoleta, a senhora vai ver que isso foi um trampolim para meu sucesso!
Seis meses se passaram, todas as portas fechadas, sem segurança, agora aceitando qualquer vaga de emprego, Cristina, um pouco mais humilde, vai a uma empresa de teleentregas. Chega de olhar menos altivo, vai ser entrevistada por uma moça sorridente, ela falante parece que convenceu que serviria para o emprego. Quase na saída, chega um senhor de semblante conhecido, passa na sala, a moça o recebe com carinho, ela vai apresentar a Cristina, ela cumprimenta, achando que o conhecia de algum lugar. O Senhor logo a reconhece e nisso a moça apresenta: — Esse é Oscar, meu pai! Nosso melhor funcionário da empresa, tudo que sei aprendi com ele!
Cristina não sabia onde esconder o rosto, justo o homem com quem ela se indispôs e que foi a gota d’água para perder seu emprego. E foi para casa completamente desestimulada, certa de que o pai da moça falaria que ela era intratável. No outro dia, recebeu uma ligação e foi contratada. Já fazia três meses que ela trabalhava na empresa e estava bem mais acessível com os colegas quando Seu Oscar entrou em sua sala. Ela, temerosa, ele, humilde como sempre, solicita uma assinatura. E ela prontamente assina o documento, ainda se coloca à disposição se ele precisava de mais algum documento. E não resiste e puxa assunto: — O Senhor não se lembra de mim? Fui muito injusta no passado e grosseira num dia que foi na outra empresa em que eu trabalhava; lhe peço desculpas de coração.
Ele responde: — Moça, lembro sim. Está desculpada!
E ela: — Por que o senhor não falou para sua filha o meu gênio difícil? Sei que poderia ter perdido esse emprego. O senhor é pai dela, a minha chefe!
Ele responde: — Moça, eu não sou Deus! A sua grosseria, no fundo, era algo que tinha que aprender sozinha a ser diferente. E, pelo que se comenta, é uma funcionária bem prestativa aqui conosco.
Naquele dia, Cristina voltou para casa mais leve, aprendeu com aquele senhor uma valiosa lição de vida: humildade não é uma qualidade que se externa quando se precisa de algo, é quando não precisamos de nada. E, principalmente, se demonstra quando não prejudicamos o caminho de vida de outrem.


