Passados os seus 40 anos, Horácio adorava mandar cartas, dizia que não iria mudar, ele não se rendeu às tecnologias. Dono de uma estância morava praticamente sozinho. O gerente do banco já tinha desistido de convencê-lo a comprar um celular. Aquilo seria bom para os negócios.
A Zulmira, sua caseira, dizia para o Patrão: — O Senhor, essa mania que tem que não quer ter celular. Até eu tenho! Só aviso, porque creio que vai facilitar a sua vida!
Mas, como as cartas entraram na vida de Horácio? Bom, voltar um pouco no tempo: a Dona Joana mandava o guri a cavalo levar a carta para a Tia Josefa, que ficava uns trinta minutos a galope dali. E ele esperava a tia responder à sua mãe. Essa função era regada na espera com um café preto e bolo de milho que a tia fazia para o sobrinho não sair de barriga vazia. E Horácio tomou gosto naquela atitude da sua mãe, pois quando precisava e era algo mais íntimo, escrevia uma carta, mandava um peão seu entregar e dizia: pede resposta por escrito.
Ele havia parado no tempo, pois os seus vizinhos tinham internet nas fazendas e ele só tolerava a luz elétrica, água nas torneiras e a televisão. Os parentes, quando iam a alguma reunião, já sabiam que não teriam sinal de Wi-Fi e, se quisessem e tivessem sorte, era o próprio da operadora. Caso contrário, tudo seria of-line mesmo.
Numa destas reuniões, Horácio conheceu Alzira, uma moça falante, que era da família dos Correias, vizinhos da Estância dele. A guria cursava Tecnologia Digital e, sem saber nada das manias de Horácio, vai falar das últimas formas de conexão, quais seriam os melhores aparelhos, as vantagens de se escolher.
Papo vai e papo vem, ela disse:
— Vou deixar o meu número de celular, caso tu queiras me ligar!
Constrangido, mas se mantendo firme do que achava ser correto para si, disse: — Vou devolver o papel, pois é inútil para mim. Tu me passas teu endereço. Prefiro te mandar umas cartas.
Aquilo fez o rosto de Alzira corar, tipo: “Cartas em pleno século XXI”. Ele ainda justificou a sua mania e todo o mundo que me conhece sabe. E ela, mesmo achando isso muito fora do normal, colocou o seu endereço no papel, sem acreditar que um dia receberia alguma carta de Horácio.
Passados uns 15 dias, nem lembrava direito daquela festa, o carteiro aperta a campainha da casa de Alzira: entre contas e extratos, uma carta chama a atenção, era de Horácio. E foram mais de 06 meses, em prazos cada vez mais curtos: cartas idas e vindas, com assuntos diversos. Aquilo estava passando de uma amizade para algo mais sólido, mas ambos não tinham se dado conta disso. Numa carta em especial, Horácio toma coragem e convida Alzira para vir passar um final de semana no seu rancho.
Poucos meses após, diante do vale, a Estância lotada de carros, uma churrascada daquelas, saía o casamento dos dois. E quatro anos se foram, Alzira foi trabalhar na cidade e ficavam finais de semana na Estância. A Anabella, com três anos, interrompe a mãe: — O que tu tens na mãozinha, meu amor? Era uma carta. O pai continuava assim, mandava cartas no meio da semana. Era a forma de estar perto de Alzira.
Ela chega ao final de semana com outra, está em mãos, ele estranha, mas vai logo abrir e ler o que estava escrito: “Só para te avisar, está vindo mais um bebê.” Agora é o nosso guri!”
Se emociona, abraça Alzira e a Pequena, depois pega aquela carta, vai lá e arquiva, num lugar especial do seu escritório. É, Horácio, a Estância está se tornando pequena. Arruma mais um quarto para o guri!