Madalena tinha uma rotina puxada, dormia tarde, acordava bem cedo, mãe de duas meninas: Fernanda, de sete anos, e Francisca, de cinco anos. Mãe solo, ela tinha múltiplas atividades: limpava quatro casas durante a semana, fazia salgadinhos para festas quando pediam e, nas horas vagas, costurava.
Era sozinha no mundo, uma “tia a criou”, e pouco falava dos seus pais, apenas mencionava que faleceram em um acidente logo que ela nasceu. Estudara até onde podia e, logo com seus dezessete anos, arranjou emprego de serviço doméstico e trabalhou com Dona Eulália, que foi praticamente uma mãe dela, ensinando tudo que sabia, desde bolos, salgados, como limpar bem uma casa. E, no auge de seus 85 anos, morrera e deixara de herança para sua fiel escudeira um quarto e sala e sua máquina de costurar.
Isso era o dom secreto de Madalena, ela sumia no mundo, esquecia-se de tudo e ali criava seus modelos únicos, percorria amigas que eram costureiras profissionais e estas lhe forneciam retalhos. Sua alma se expandia, ali mostrava todo o seu dom para costurar. Ela criava peças únicas, que vendia super barato numa feira mensal que ocorria no centro da cidade, montava uma pequena barraca, com bolos, cucas e doces, colocava em varais suas peças e, quando tinha muita sorte, vendia tudo.
A vida era apertada, se via às vezes da sala para a cozinha, mas dava conta dos compromissos, visto que os pais das gurias caíram no mundo e ela aprendera desde cedo que seria ela e Deus para suprir tudo o que suas meninas precisavam e, no fundo, os ensinamentos deixados por Dona Eulália. Então, a palavra ser forte era rotina para aquela mulher, que nos olhos das pequenas filhas se via gigante diante dos desafios do mundo.
Mais uma feira no centro da cidade era uma vez por mês no final de semana, as gurias já sabiam acordar cedo, tomar café e acompanhar a mãe. Foi um dia diferente, chegaram à sua barraca pessoas estranhas ali, olhavam suas peças, faziam um monte de perguntas, inclusive porque o preço era tão barato. Pediu permissão para tirar fotos de tudo, ainda o telefone de Madalena, aquilo já estava incomodando ela.
Compram três peças: um vestido todo azul, com retalhos evidentes, que fazia um degrade, era longo, costas abertas, costurado impecavelmente, com o colo à vista. Uma calça amarela em que Madalena aplicara flores, feitas com retalhos em locais estratégicos. Ainda um cropped todo feito de retalhos.
Semana iniciou, tinha limpeza em quatro casas, levar as meninas para aulas, ainda bem que conseguira turno integral e então elas estavam no universo escolar e ainda tinham suas costuras. Algo mudou, recebeu uma ligação de Estefany, uma empresária da moda, que, mediante Roberto e Cintia, caçadores de talentos no setor das costuras, se depararam com as peças de Madalena.
Ela não sabia, mas numa agência, no décimo andar, mais de dez pessoas olharam as três peças da Feira e se surpreenderam com o talento de Madalena. Queria ela, trabalhando para eles, que criasse mais peças para um desfile próximo daqui a três meses.
Foi à reunião agendada. A proposta realmente era irrecusável, era seu sonho que estava se concretizando. Depois de mais de um ano na nova atividade, Madalena volta ao prédio, acompanhada de suas meninas mais crescidas. Elas chegam com olhos curiosos, a mãe avisa: – Vocês verão onde a Mamãe tira nosso sustento e mudamos nossa vida. Sthefany as recebe se alegra com as meninas, fala o quanto mais precisam das criações de Madalena.
Eram somente retalhos, mas aquilo virou moda, quando o dom de Madalena foi descoberto e devidamente valorizado. Só retalhos, mas mudou a vida dela e das meninas. Sim, simplesmente aqueles panos deixados de lado trouxeram a alegria, a segurança, àquela mãe solo que criava com muita coragem e amor suas filhas.