Estevão e Tobias

Colunistas Geral

    Estevão e Izabel tiveram Rodrigo, seu único filho. Mas Estevão queria muito ser avô, um sonho acalentado há anos. E isso iria se concretizar em breve sua nora Nina estava grávida do primeiro neto da família. Tobias, quando nasceu, tinha quase quatro quilos, olhos vibrantes, corado, careca, o choro ecoava na maternidade e o Vô nem escondia o contentamento, mais que o próprio pai que estava na sala de parto com a esposa. Dizia aos que passavam: “É meu neto, acabou de nascer!”
    O guri foi criado cheio de mimos. Seu Estevão só virava a cara quando ia passar uns tempos na casa dos outros avós, não escondia o ciúme e o filho e a nora tentavam remediar a situação. Já tinha conviver também com a família materna, que era realmente mais numerosa. Nina tinha mais três irmãos.
    Uma vez por mês, o final de semana era todo na propriedade do avô e este não escondia o orgulho, ensinava o guri a laçar, a ir buscar o gado na mangueira, ajudar a fazer o fogo e espetar a carne. Tinha comprado uma pilcha igualzinha a ele. O Rodrigo já estava até enciumado, porque eram mais regalias de quando ele era pequeno.
    Chegou a adolescência para Tobias, o avô cada vez mais orgulhoso do neto, traçando planos de passar tudo da propriedade para a administração do guri. Mas Tobias estava estudando e seus olhares, embora ainda fossem de agradar aos planos do avô, eram voltados para o setor da medicina, não a veterinária, que poderia ser aproveitada no campo onde passava boa parte do seu tempo. Na escola em que estudava, vieram médicos para dar palestras e ali surgiu nele um desejo enorme em cursar essa faculdade.
    E estava chegando o tempo de dizer isso ao avô, que gostava do campo, mas não na mesma intensidade e direcionamento dado. Sabia que isso iria abalar um pouco as relações e planejamentos feitos, mas sua vocação era a área clínica, cuidar das pessoas. E foi no final de semana seguinte que comunicou seus pais e disse que falaria abertamente ao avô que tentaria sua carreira como médico clínico e teria que achar outro para tocar seus campos. Sabia que isso seria um golpe duro para ele. E, depois do almoço, a capricho feito pela avó, ele deixou o avô fazer sua sesta e acordar na hora do mate para dar a notícia:

    -Olha, Vô, sei que o Senhor tem feito muito por mim. E tem planos de que eu fique administrando tudo isso. Mas, minha vocação de verdade é para ser médico. Adoro cuidar da saúde das pessoas, não que não goste de lidar com isso daqui. Mas, não vou ser feliz se o Senhor continuar alimentando esse sonho, que vou continuar seu jeito de ser. E aquilo pegou Estevão de surpresa, que logo virou as costas, sem dar uma palavra, e deu rumo ao galpão que era perto da casa principal. Deixando Tobias sem rumo e atordoado, o que o Avô estava sentindo com ele será: ingratidão, desrespeito a toda a história da família, que não seguiria os rumos já traçados e foi ao encontro do seu pai e da mãe que estavam com a Avó na sala da casa. E dissera que achara o Vô muito entristecido com a notícia que acabara de dar. Sua avó, muito sábia, disse para seu consolo: – Meu filho, seu avô é um homem inteligente, no fundo, ele já sabia que tu não seguiria do jeito que ele imaginava -Deixa o tempo que as coisas se ajeitam. Veio a tardinha e hora de partir e nada do avô voltar de lá. Perguntou à avó se seria bom eles ao menos se despedirem e ela respondeu: – Deixa ele quieto, meu filho, conheço meu velho, depois ele te procura, na hora que achar pronto.
    Deu tudo certo, Tobias entrou no curso para Medicina da Federal, comemorou muito com seus amigos e pais, mas nada falou para o avô, ficou uma relação mais distante depois que mencionou que não queria tocar os negócios rurais da família. Apenas sua avó disse em incentivo: – Vai, meu filho, vai dar tudo certo, segue teu sonho.
    Chegou o tempo da formatura, pensou: “ O primeiro convite vou levar para o Vô e a Vó, eles me ajudaram a criar, disserto agora, ele aceita mais minha escolha profissional, não é possível que a gente fique desta forma para sempre.” E tomou coragem, agora sem a influência dos seus pais, pegou o carro e foi para o avô sem avisar ninguém.
    Chegou recebido com carinho, passaram um dia de campereada das boas, o pessoal que trabalhava com Avô ajudava na lida. Tobias vai lá, acende o fogo igual ao avô ensinou, eles espetam uma carne, pedem para Vó fazer uma maionese, um arroz campeiro e botar mais água no feijão. No meio da mate enquanto a carne assava, ele fala com o avô, com as mãos tremendo, um envelope grande com um selo e diz:

    -O primeiro convite quis trazer para o senhor. Sei que ficou triste com a minha decisão, mas estou feliz me formando médico. Fica tranquilo, meu velho, vou ainda achar tempo de cuidar disso daqui para ti, sei do valor de tudo que tu me ensinou e dos teus mimos e da Vó comigo.
    Aquilo mexeu no coração de Estevão, ele nunca tinha visto seu avô chorar e ele
    falou algo que jamais Tobias esquecera naquele final de tarde:

    -Guri, quem se desculpa é teu velho Vô. Eu não podia colocar o peso do que amo nas tuas costas, teu pai já tinha ido para a cidade e achei que tu seguirias meus passos. Mas, tu te enganas que estou triste contigo. Hoje tu me provou que além de médico, é um peão e administrador dos bons, confio que, além do que tu queres trabalhar, vai olhar as vacas e as cercas do teu avô. Porque vou te dizer uma coisa: aquela tua avó não é muito de confiança, se deixar ficar comprando só muda de árvores e plantando flores em volta da casa, os bichos vão morrer de fome.
    E viu que o avô estava feliz, até brincando com uma situação que parecia tão séria e os afastou durante o percurso do seu curso. Para felicidade de Tobias, o avô foi à sua formatura, de presente dentro de um estojo, uma linda caneta. E um escrito com a letra marcante de seu avô:
    ” O maior legado que este homem velho vai deixar para ti quando partir desta terra, meu filho, é a alegria do homem que tu te tornaste, mais do que nunca precisamos de um médico em nossa família. E orgulhoso que meu único neto, pelo jeito, se tornou um dos bons. Quando quiser, as porteiras daquela terra estão abertas para ti. Que seja feliz, meu filho! Eu e tua avó estamos mais que orgulhosos de sua conquista. Abraços, Estevão e Izabel.”
    Quatro anos mais tarde, Seu Estevão deixou esta terra, sob os cuidados de seu neto zeloso, que o amparou a ter um maior conforto na sua partida. Tobias, mesmo com a vida corrida, encontrou tempo, de quinze em quinze dias, para ir aos campos do Avô, dava auxílio aos empregados, ajudava a Avó no que ela precisava e, quando sente muita saudade, faz ainda um fogo de chão, assa uma carne e convida todos da casa para participar. Isso é o maior legado que seu Estevão deixou: um neto cheio de valores, que mesmo seguindo seu rumo profissional, cuida com carinho da família e tudo que ele conquistou em vida.

    Loading

    Compartilhe

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *